Ingressamos no estudo dos contratos administrativos. Após estudarmos os atos administrativos, que são manifestação de vontade do Poder Público, mergularemos no estudo do Contratos Administrativos, que nos auxiliará a compreender de que forma o Poder Público pode sacramentar parcerias com terceiros, para consecução de seus objetivos.
O artigo abaixo trata da exceção do contrato não cumprido.
Leia, pesquise e comente o que você entendeu sobre a cláusula exceptio non adimpleti contractus.
A exceção do contrato não cumprido e os contratos administrativos
Elaborado em 05/2011
Contrato administrativo não se confunde com contratos em geral. Enquanto o primeiro vem a ser o ajuste que a Administração Pública, agindo nessa qualidade, firma com o particular ou com outra entidade administrativa, para a consecução de objetivos de interesse público, nas condições desejadas pela própria Administração, o segundo é todo o acordo de vontades, firmado livremente, para criar direitos e obrigações recíprocos.
De forma resumida, a pedra de toque que diferencia o contrato administrativo dos demais é a presença das chamadas cláusulas exorbitantes, consubstanciadas nos seguintes elementos, que nada mais significam que a atuação da Administração Pública como Poder Público: exigência de garantia; poder de alteração unilateral do contrato; possibilidade de rescisão unilateral do pacto; manutenção do equilíbrio financeiro do contrato; poder de fiscalização, acompanhamento e ocupação temporária; restrições ao uso da cláusula exceptio non adimpleti contractus; aplicação direta de penalidades contratuais (multa de mora, advertência, multa por inexecução, suspensão e declaração de inidoneidade).
Este trabalho analisará a restrição ao uso da cláusula exceptio non adimpleti contractus.
Como se sabe, nos contratos onerosos regidos pela álea privada, permite-se aos contratantes suspender a execução do que lhe cabe no contrato enquanto o outro não adimplir a sua parte, ou seja, é possível a oposição da exceção do contrato não cumprido.
Já quanto aos contratos administrativos, em regra, não se aplica tal cláusula. Assim, não é lícito ao particular, portanto, interromper a execução da obra ou do serviço contratado, ainda que a Administração permaneça sem contraprestacionar essa obra ou serviço. Com isso, rendem-se homenagens ao princípio da continuidade do serviço público, corolário da supremacia do interesse público.
Contudo, essa situação revelou-se bastante rigorosa e prejudicial ao particular contratado, motivo pelo qual a Lei n° 8.666/1993 a atenuou substancialmente, a ponto de hoje podermos falar em relativa ou temporária inoponibilidade da exceção ao contrato não cumprido
Essa relativa inoponibilidade está prevista no art. 78, incisos XIV e XV, Seção V, Da Inexecução e da Rescisão dos Contratos, na Lei de Licitações e Contratos Administrativos, in verbis:
Art. 78. Constituem motivo para rescisão do contrato:
[...]
XIV - a suspensão de sua execução, por ordem escrita da Administração, por prazo superior a 120 (cento e vinte) dias, salvo em caso de calamidade pública, grave perturbação da ordem interna ou guerra, ou ainda por repetidas suspensões que totalizem o mesmo prazo, independentemente do pagamento obrigatório de indenizações pelas sucessivas e contratualmente imprevistas desmobilizações e mobilizações e outras previstas, assegurado ao contratado, nesses casos, o direito de optar pela suspensão do cumprimento das obrigações assumidas até que seja normalizada a situação;
XV - o atraso superior a 90 (noventa) dias dos pagamentos devidos pela Administração decorrentes de obras, serviços ou fornecimento, ou parcelas destes, já recebidos ou executados, salvo em caso de calamidade pública, grave perturbação da ordem interna ou guerra, assegurado ao contratado o direito de optar pela suspensão do cumprimento de suas obrigações até que seja normalizada a situação; [...]
Assim, passou a ser autorizada de forma expressa a oposição dessa cláusula, quando o atraso do pagamento pela Administração seja superior a 90 (noventa) dias (inciso XV) ou, para alguns da doutrina, quando a Administração suspende a execução do contrato por prazo superior a 120 (cento e vinte) dias (inciso XIV), possibilitando ao contratado a suspensão do cumprimento de suas obrigações ou mesmo a rescisão judicial ou amigável por culpa da Administração, com indenização do particular (cf. incisos do art. 79 da Lei n° 8.666/1993).
Nesse último caso (rescisão contratual), o contratado, nos termos do art. 79, § 2º da Lei n° 8.666/1993, terá direito a ser ressarcido dos prejuízos regularmente comprovados que houver sofrido (danos emergentes), tendo ainda direito à devolução da garantia, pagamentos devidos pela execução do contrato até a data da rescisão e pagamento do custo da desmobilização.
Há também uma terceira e uma quarta hipóteses apontadas pela doutrina e pela jurisprudência, quais sejam, quando a inadimplência do poder público impeça de fato e diretamente a execução do serviço ou da obra e quando o contrato não tenha por objeto a execução de serviço público, pois não se aplica o princípio da continuidade. Inclusive, a referida cláusula de exceção pode ser aplicada antes mesmo de decorridos os 90 (noventa) dias, nas hipóteses em que se torne impossível ou extremamente oneroso para o contratado a prestação do serviço, em virtude de ato ou omissão da Administração Pública (CARVALHO FILHO, 2011).
Em se suspendendo a execução do serviço, o Superior Tribunal de Justiça entende que o particular não necessita ir ao Poder Judiciário para somente após a decisão suspender o contrato, já que essa prerrogativa estaria garantida a ele de pleno direito, obviamente com a ressalva de lhe serem impostas sanções se não aceita em juízo posteriormente a exceção do contrato não cumprido. Cite-se a seguinte decisão, retirada do REsp nº 910.802/RJ, de relatoria da Ministra Eliana Calmon:
ADMINISTRATIVO – CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO – FORNECIMENTO DE ALIMENTAÇÃO A PACIENTES, ACOMPANHANTES E SERVIDORES DE HOSPITAIS PÚBLICOS – ATRASO NO PAGAMENTO POR MAIS DE 90 DIAS – EXCEÇÃO DO CONTRATO NÃO CUMPRIDO – ART. 78, XV, DA LEI 8.666/93 – SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DO CONTRATO – DESNECESSIDADE DE PROVIMENTO JUDICIAL – ANÁLISE DE OFENSA A DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL: DESCABIMENTO – INFRINGÊNCIA AO ART. 535 DO CPC – FUNDAMENTAÇÃO DEFICIENTE – SÚMULA 284/STF – VIOLAÇÃO DOS ARTS. 126, 131, 165 E 458, II, DO CPC: INEXISTÊNCIA. [...]
4. Com o advento da Lei 8.666/93, não tem mais sentido a discussão doutrinária sobre o cabimento ou não da inoponibilidade da exceptio non adimpleti contractus contra a Administração, ante o teor do art. 78, XV, do referido diploma legal. Por isso, despicienda a análise da questão sob o prisma do princípio da continuidade do serviço público. 5. Se a Administração Pública deixou de efetuar os pagamentos devidos por mais de 90 (noventa) dias, pode o contratado, licitamente, suspender a execução do contrato, sendo desnecessária, nessa hipótese, a tutela jurisdicional porque o art. 78, XV, da Lei 8.666/93 lhe garante tal direito. 6. Recurso especial conhecido em parte e, nessa parte, provido. (REsp 910.802/RJ, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 03/06/2008, DJe 06/08/2008)
José dos Santos Carvalho Filho (2011), porém, é mais cauteloso quanto à autoaplicabilidade da exceção, aduzindo que, a fim de se evitar contestações por parte da Administração, o particular deve recorrer ao Judiciário e, por meio de uma ação cautelar, pretender uma tutela preventiva imediata, o que o livraria do risco de arcar com as consequências do inadimplemento.
Por fim, merece registro o fato de sempre caber para a Administração Pública, no caso de inadimplemento do particular, a arguição da exceção do contrato não cumprido em seu favor, deixando automaticamente de cumprir suas obrigações em face do contratado, como, por exemplo, suspender os pagamentos a ele devidos.
Conclui-se, de tudo quanto exposto retro, que a utilização da exceção do contrato não cumprido pelo particular em face da Administração Pública, com o advento da Lei n° 8.666/1993 e com a evolução da doutrina e jurisprudência, há de ser aceita no meio jurídico com os devidos limites legais, não se podendo falar em inoponibilidade absoluta dessa cláusula, como ocorre no modelo francês. Ademais, quando se tratar de serviços essenciais ou que urgem interesses maiores, deve-se observar o modo pelo qual a execução do contrato seja suspensa, mantendo-se um mínimo para a continuidade do serviço público qualificado como essencial.
REFERÊNCIA
ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Direito Administrativo Descomplicado. 16. ed. rev. e atual. São Paulo: Método, 2008.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 24. ed. rev. ampl. atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.
SANTOS, Dennys Carneiro Rocha dos. Contrato administrativo e a aplicação da exceção do contrato não cumprido. Ensine - Escolas Superiores Integradas do Nordeste / Faesne - Faculdades de Ensino Superior do Nordeste, [2009?]. Disponível em: <http://www.ensinefaculdades.edu.br/gerencia/seguro/modulos/artigos/uploads/artigo_publicacao.pdf>. Acesso em: 24 maio 2011.
(Fonte:PEREIRA, Ricardo Diego Nunes; FORTES, Rafael Costa et al. A exceção do contrato não cumprido e os contratos administrativos. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 2938, 18 jul. 2011. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/19569>. Acesso em: 12 out. 2011.)