LIVRO EM DESTAQUE

 
A luta pelo Direito
Rudolf von Ihering
O Processo é um romance de Franz Kafka, que conta a história de um bancário que é processado sem saber o motivo, este é Josef K.
O perfil de K. era de um funcionário exemplar, sendo que trabalhava num famoso banco e tinha um cargo de grande responsabilidade. Desempenhava sua função com muita dedicação, razão que o levou, em pouco tempo, a crescer na empresa.
Porém na manhã em que completara 30 anos, Josef K. foi detido em seu próprio quarto por dois guardas, que tomaram o café que devia ter sido dele, e depois, sugeriram estarem sendo subornados. Neste momento inicia o pesadelo de Josef K., que foi detido sem ter feito mal algum. De principio, imaginava ser uma brincadeira de seus colegas de banco, pois não podia acreditar no que estava acontecendo.
Josef K. acreditava que todo o mal entendido seria esclarecido e ao ser convocado para um interrogatório viu a oportunidade de isto acontecer. Estava errado. Deparou-se com um inspetor rude e agressivo que o ameaçava e fazia chantagens. Contudo K. exigia esclarecimentos, porém inutilmente, já que nem o inspetor e nem os guardas sabiam sobre o motivo de sua detenção.
E toda narrativa segue sem que se conheça quem teria denunciado Josef K. às autoridades e o motivo de estar sendo preso. Apesar disso, o personagem central luta o tempo todo para descobrir do que estava sendo acusado, quem o acusava e com embasamento em que lei. Contratou um advogado na esperança de ter alguma saída e também para obter informações sobre o seu caso, mas logo ele foi dispensado, pois não estava dando muita atenção ao processo dele.
Tentou entrar em contato com o judiciário, mas teve pouco sucesso, o que encontrou foram muitos processos, sendo o dele apenas mais um que ficaria esperando por muito tempo. Todo o desenrolar do processo não lhe parecia verdadeiro, os acusadores e as testemunhas tinham atitudes duvidosas e absurdas, até crianças eram chamados a prestar depoimentos.
No final, Josef K. se encontrava sem ânimo para prosseguir lutando contra um processo que ele nada conhecia, estava apático e indiferente. Pode-se interpretar que no capítulo X: O fim, Josef K. combinou para que dois senhores o matassem, e assim foi feito.
“(...) as mãos de um dos senhores seguraram a garganta de K. enquanto o outro lhe enterrava profundamente no coração a faca e depois a revolvia ali duas vezes.” (KAFKA, 2004, p. 254).
Este é o fim de Josef K.

 
A luta pelo Direito
Rudolf von Ihering
Por Luiz Roberto Lins Almeida
“O fim do Direito é a paz, o meio de que se serve para consegui-lo é a luta. Enquanto o direito estiver sujeito às ameaças da injustiça – e isso perdurará enquanto o mundo for mundo –, ele não poderá prescindir da luta. A vida do direito é a luta: a luta dos povos, dos governos, das classes sociais, dos indivíduos.”
É quase impossível resistir à tentação de falar a respeito deste livro sem citar, na íntegra, seu parágrafo exordial, que é cheio de vitalidade, repleto de anseio por Justiça e que causa, mesmo na mais apática alma, um desejo ardente de lutar para defender seus direitos já adquiridos e conquistar outros mais.
A obra de Ihering, em que pese sua genialidade, deve ser interpretada no contexto da Alemanha do séc. XIX, um momento de intensa agitação intelectual, filosófica, jurídica e social na já tão comumente intelectual Alemanha.
Após o grande apogeu da filosofia kantiana, o século XIX viu florescer nas terras germânicas Hegel, Schopenhauer, Nietzche e Marx. Na música a Alemanha embebia-se de Liszt e de Wagner, e é nesse contexto que devemos avaliar a obra de Ihering. Uma obra monumental, num século que, realmente, pôs a Alemanha entre as principais nações do mundo quando ao saber filosófico e cultural. Somente tendo em vista esses importantes progressos intelectuais podemos perceber a importância de Ihering para a filosofia do Direito.
O Direito é visto, neste opúsculo, como sendo um produto social. Nada mais propício ao conhecimento filosófico da época. Uma visão com fulcro na dialética hegeliana, que do embate de idéias exsurge uma solução, a síntese do pensamento.
Também não podemos deixar de sentir a densidade marxista das afirmações sobre a luta de classes. Ihering fala que sempre haverá esse conflito, não o coloca como sendo a burguesia a responsável por vilipendiar o Direito, como o fez Marx. Ihering, como bom jurista que era, soube diferenciar os anseios políticos e sociais de seu tempo da necessidade de um novo Direito, o Direito da luta incessante e incansável contra quaisquer injustiças.
A luta pelo Direito é vista sob o ponto de vista ético, isto é, é válido pugnar quando seu direito é violado, pois, quando seu direito individual (subjetivo) é violado todo o Direito objetivo também o é, pois são os dois uma única e mesma coisa (página 62). Negar o direito subjetivo é negar o direito como um todo. A legitimidade da luta pelo Direito consiste justamente em, ao defender o direito individual, estar a proteger o Direito de toda a coletividade. O indivíduo tem o dever ético, para consigo mesmo e para com a sociedade, de lutar por seus direitos (página 58).
Se o indivíduo não tem ânimo para defender o seu direito subjetivo, jamais estará capacitado para defender o direito da sociedade. Quem quiser salvar o mundo tem que começar salvando um indivíduo de cada vez.
No texto, percebe-se a influência de uma figura que seria, no século XX, bastante conhecida, a do intelectual combativo, a do intelectual do campo de batalha. É essa a concepção também de Ihering. O indivíduo como agente de sua história e conquistador de seu direito.
A luta pelo direito é vista como algo vital, necessário e inerente ao ser humano. Necessário como pão, como água. Essa luta que prega Ihering é uma luta cheia de energia vital, repleta dos fluidos mais íntimos do ser.
Outra nuance marxista percebe-se quando o autor afirma que a propriedade tem origem no trabalho, entretanto diverge de Marx quanto a utilização da propriedade. Faz uma defesa galharda da propriedade como forma de auto-percepção do indivíduo, como necessária para a completude da dignidade humana. Segundo o autor “A propriedade nada mais é senão a periferia da pessoa projetada no terreno material.” (página 54).
Não poderia ser outro o posicionamento de Ihering, que, afinal, foi um dos mais brilhantes civilistas de todos os tempos, cuja teoria da posse e da propriedade permanecem vivas até hoje. Por exemplo, no Brasil, a teoria da posse em vigor baseia-se grandemente na obra de Ihering e de seu compatriota Savigny.


AS MISÉRIAS DO PROCESSO PENAL
Por Danieli Veleda Moura

Na obra, o autor inicia dizendo que o juiz está no Tribunal para impor a paz, enquanto o Ministério Público e advogados estão lá para fazer a guerra. No processo, é necessário fazer a guerra para garantir a paz. Ora, esta fórmula pode ter sabor de paradoxo; mas haverá o momento no qual poderemos saborear a verdade. A toga do acusador e do defensor significa pois que aquilo que fazem é feito a serviço da autoridade; em aparência estão divididos, mas na verdade estão unidos no esforço que cadaum despende para alcançar a justiça.
A função judiciária está ameaçada pelos opostos perigos da indiferença ou do clamor: indiferença pelos processos pequenos, clamor pelos processos célebres. Naqueles a toga parece um instrumento inútil; nestes se assemelha a uma veste teatral. A publicidade do processo penal, a qual corresponde não somente à idéia do controle popular sobre o modo de administrar a justiça, mas ao seu valor educativo, está, infelizmente, degenerada em um motivo de desordem. Não tanto o público que enche os tribunais, mas a invasão da imprensa. As togas dos magistrados e dos advogados, assim, se perdem na multidão. Sempre mais raros são os juízes que tem a severidade para reprimir essa desordem.
O delinqüente até que não seja encarcerado, é uma outra coisa, a que o autor sente horror, mas quando eleé algemado, a fera se torna homem. Não se pode fazer uma nítida divisão dos homens em bons ou maus. Infelizmente a nossa curta visão não permite avistar um germe do mal naqueles que são chamados de bons, e um germe de bem, naqueles que são chamados de maus. Basta tratar o delinqüente, antes que uma fera, como um homem, para descobrir nele a vaga chamazinha de pavio fumegante, que a pena, ao invés d e apagar, deveria reavivar.
As pessoas imaginam o advogado como um técnico, ao qual se requer um trabalho que quem o pede não teria capacidade de fazer por si mesmo. É verdade, mas não é toda ela; o restante da verdade é descoberto, sobretudo, pela experiência do encarcerado.
O encarcerado é, essencialmente, um necessitado. O encarcerado não tem necessidade de alimento, roupas, medicamentos, mas sim de amizade. As pessoasnão sabem, tampouco os juristas, que aquilo que se pede ao advogado é a dádiva da amizade antes de qualquer coisa. O nome mesmo de advogado soa como um grito de ajuda, "Advocatus, vucatus ad", chamado a socorrer. Advogado é aquele, ao qual se pede, em primeiro plano, a forma essencial de ajuda, que é propriamente a amizade. O acusado sente ter a aversão de muita gente contra si; algumas vezes, nas causas mais graves, lhe parece que esteja contra ele todo o mundo.
O que o defensor deve possuir antes de tudo é o reconhecimento espiritual do acusado. Conhecer o espírito de m homem que dizer conhecer sua história, encontrar o fio que os liga. Tudo isto não é possível se o protagonista não abre, pouco a pouco, sua alma. Este tipo de protagonistas, que são os delinqüentes, tem a alma fechada. Ao mesmo tempo em que pedem a amizade, opõem a desconfiança. Impregnados de ódio, vêem ódio também onde não há mais que o amor.
No topo está o juiz, não há dignidade mais imponente que a sua e, frente a ele, estão as partes, logo o juiz, não é considerado parte e sim supraparte. O Ministério Público está ao lado do juiz e o defensor embaixo, ao lado do acusado. Entretanto, o juiz é um homem e por isso também deve ser parte, afinal será que os juízes também não erram?
O juiz colegiado está menos longe do que o singular daquilo que o juiz deveria ser, mas a convenção é que o colégio alcance a unidade, ou seja, , que entre os juízes singulares se estabeleça o acordo, que não significa tanto a identidade de opiniões quanto paridade de tendências para a verdade. A justiça humana não pode ser senão uma justiça parcial. Tudo aquilo que se pode fazer é buscar diminuir essa parcialidade.
O defensor é um colaborador preciosos para o juiz, mas perigoso por causa de sua parcialidade. Contrapondo-lhes está o Ministério Público que deveria ser chamado de acusador. Desenvolve-se assim, sob os olhos do juiz, aquilo que os técnicos chamam de contraditório, e é um duelo para queo juiz supere a dúvida e dê sua decisão. Não se compreende que, se o advogado fosse um racionador imparcial, não somente trairia o próprio dever, mas a sua razão de ser no processo e o mecanismo deste sairia desequilibrado.O protesto contra os advogados é o protesto contra a parcialidade do homem. Eles carregam a cruz por um outro, e essa é a nobreza deles.
As provas servem para voltar atrás para reconstituir a história. A degeneração do processo penal é um dos sintomas mais graves da civilização em crise. Não o mais grave, mas o mais visível é aquele que resguarda o respeito ao acusado que não deve ser considerado culpado até que seja condenado com uma sentença definitiva. Esta é apenas uma daquelas normas, a quais servemsomente para demonstrar a boa-fé daqueles que aelaboraram. Mas há um outro indivíduo no centro do processo penal ao lado do imputado: a testemunha. Os juristas, friamente, classificam a testemunha, junto com o documento, na categoria das provas. Mas esquecem que enquanto o documento é uma coisa, a testemunha é um homem. Todos sabemos que a prova testemunhal é a mais infiel entre as provas; a lei a cerca de muitas formalidades, querendo prevenir os perigos; a ciência jurídica chega ao ponto de considerá-la um mal necessário; a ciência psicológica regula e inventa até instrumentos para asua avaliação, ou seja, para discernir a verdade da mentira; masa melhor maneira para garantir o resultado sempre foi a de reconhecer na testemunha um homem e de atribuir-se o respeito que merece cada homem. Como a verdade pode brotar quando a testemunha é perseguida pelos fotógrafos, cercada assim até influenciá-la, por jornalistas, por guardas e pelos advogados. As pessoas estão persuadidas de que aquela que produz estes fenômenos seja uma civilização em progresso.
O homicídio não é somente ter matado, mas ter querido matar. Isto quer dizer que o juiz não deve limitar a sua indagação somente ao exterior, ou seja, as correlações do corpo do homem com o resto do mundo, mas deve descer, com a indagação na sua alma. O perigo mais grave é o de atribuir ao outro a nossa alma, ou seja, de julgara quilo que ele sentiu, compreendeu, quis, segundo aquilo que nós sentimos, compreendemos, queremos. Há um artigo o qual obriga o juiz a ter em conta a conduta e a vida do réu, antecedentes ao delito; a conduta contemporânea e subseqüente ao delito; as condições de vida individual, familiar e social do réu. Aquilo que a lei quer é precisamente que o juiz refaça inteiramente toda a história do acusado.
Quando a absolvição se torna coisa julgada, o processo continua com a condenação. Sob um certo aspecto pode-se assemelhar a penitenciária a um cemitério onde o condenado é um sepultado vivo. Quando o processo termina, ou seja, quando o condenado é absolvido, mas a pena continua, ou seja, o sofrimento e o castigo. Para a sociedade, ele é sempre encarcerado, às vezes ex-encarcerado. A crueldade está em pensar que se ele foi, continua a ser.
A penitenciária não é diferente do resto do mundo, tanto, no sentido que o resto do mundo, tanto, no sentido que o resto do mundo também é uma grande casa de pena. A idéia de dentro estarem somente canalhas e fora somente honestos não é mais que uma ilusão; aliás, ilusão é acreditar que um homem possa ser todo canalha ou todo honesto.
REFERÊNCIA: CARNELUTTI, Francesco. As Misérias do Processo Penal. Traduzido por José Antônio Cardinalli. 2.ed. Campinas:Bookseller, 2002.
Leia mais em: http://www.webartigos.com/articles/19587/1/Resenha-da-obra-As-Miserias-do-Processo-Penal-de-Francesco-Carnelutti/pagina1.html#ixzz1UHqiEwRe

Eles, os juízes, vistos por um advogado
Francesco Carnelutti
por Antonio de Jesus Trovão
PIERO CALAMANDREI
Breve resumo apurado sobre a obra imortal do célebre advogado italiano que além da prática e além da cátedra, soube melhor que ninguém explorar a alma humana do Judiciário.
  1. O circo do advogado faz parte do rito da audiência. (folhas 33).
  2. O aforismo iura novit curia (o juiz conhece o direito) não é apenas uma regra de direito processual, que significa que o juiz deve encontrar por si a norma que serve ao fato, sem esperar que as partes a sugiram; é também uma regra de bons modos forenses, a qual adverte que, se quiser ganhar a causa, o advogado não deve tomar ares de ensinar ao juiz aquele direito, em que a boa educação impõe considerá-los mestres. (Folhas 35).
  3. O advogado deve saber sugerir de forma muito discreta ao juiz os argumentos que lhe dêem razão, de tal modo que este fique convencido de os ter encontrado por conta própria. (folhas 41).
  4. Do juiz ao advogado: “Cumpra, pois, livremente seu dever, que é o de falar; mas faça-o de maneira a nos ajudar a cumprir o nosso, que é o de compreender”. (folhas 69).
  5. O silêncio é de ouro para a probidade do advogado.
  6. O arrazoado da defesa, para ser verdadeiramente útil, não deveria ser um monólogo contínuo, mas um diálogo vivaz com o juiz, que é o verdadeiro interlocutor – e que deveria responder com os olhos, com os gestos, com as interrupções. Interromper significa reagir, e a reação é o melhor reconhecimento da ação estimuladora. (Folhas 79). A objetividade do discurso do advogado deve orientar-se pela clareza, concisão e harmonia com seus ouvintes.
  7. A sustentação oral, em vez de parte integrante do processo, degenerou assim numa espécie de parênteses de divulgação inserido no meio do processo. A forma de eloqüência em que melhor se fundem as duas qualidades mais apreciadas do orador, a brevidade e a clareza, é o silêncio. (Folhas 81).
  8. Ele aceita melhor a brevidade, ainda que obscura: quando um advogado fala pouco, o juiz, mesmo que não compreenda o que ele diz, compreende que tem razão”. (folhas 83). A arte é a medida da disciplina.
  9. O cliente não sabe que, muitas vezes, depois de uma vitória, deveria abraçar comovido não o seu advogado, mas o advogado do adversário” (folhas 90).
  10. Da pré-concepção do Juiz surge o esvaziamento da retórica. (folhas 96).
  11. O virtuoso reconhecimento do advogado está na sua objetividade pela qual expõe o que quer e onde quer chegar. “Defenda as causas com zelo, mas sem exagerar. Se escreve demais, ele não lê; se você fala demais, ele não ouve; se você é obscuro, ele não tem tempo para tentar compreendê-lo. Para ganhar a causa, é necessário empregar argumentos medianos e simples, que oferecem ao juiz o fácil caminho da menor resistência. (folhas 104/105).
  12. Imparcial deve ser o juiz, que está acima dos contendores; mas os advogados são feitos para serem parciais, não apenas porque a verdade é mais facilmente alcançada se escalada de dois lados, mas porque a parcialidade de um é o impulso que gera o contra-impulso do adversário, o estímulo que suscita a reação do contraditor e que, através de uma série de oscilações quase pendulares de um extremo a outro, permite ao juiz apreender, no ponto de equilíbrio, o justo”. (folhas 126).
  13. Que quer dizer grande advogado? Quer dizer advogado útil aos juízes para ajudá-los a decidir de acordo com a justiça, útil ao cliente para ajudá-lo a fazer valer suas razões. Útil é aquele advogado que fala o estritamente necessário, que escreve clara e concisamente, que não entulha a audiência com sua personalidade invasiva, não aborrece os juízes com sua prolixidade e não os deixa suspeitosos com sua sutileza – exatamente o contrário, pois, do que certo público entende por grande advogado”. (folhas 132).
  14. Na advocacia cível, a diferença entre os bons profissionais e os espertalhões é a seguinte: enquanto estes se empenham para encontrar nas leis razões que permitam aos cliente violar legalmente a moral, aqueles buscam na moral as razões para impedir os clientes de fazerem o que as leis permitem”.(folhas 136).
  15. O mais precioso trabalho do advogado civilista é o que ele realiza antes do processo, matando os litígios logo no início com sábios conselhos de negociação”. (folhas 147).
  16. Considerar a questão do direito como um teorema a ser demonstrado por meio de fórmulas abstratas, em que os homens são representados por letras e o interesse por cifras, é coisa que o jurista pode fazer num tratado ou numa lição; mas o advogado prático deve ver, por trás das fórmulas, os homens vivos. Deixemos os professores ensinarem na escola que a lei é igual para todos; caberá depois ao advogado explicar aos clientes que o direito civil é feito sobretudo para os bem situados, havendo para os demais o direito penal”. (folhas 149).
  17. Quanto à necessidade de leis obscuras para elevar-se a litigiosidade e, desta forma, fortalecer o Estado e sua autoridade. (folhas 152).
  18. As taxas judiciárias constituem, assim, um verdadeiro regime de protecionismo, para não prejudicar a florescente produção nacional de injustiça”. (folhas 155).
  19. A experiência da vida parlamentar demonstrou-me que, quase sempre, especialmente no fim da sessão, a única maneira de pôr de acordo a maioria e oposição é propor a suspensão”. (folhas 157).
  20. Sobre acreditar em demasia na jurisprudência. (folhas 162).
  21. Mas o advogado deve sempre manter em torno da interpretação a ser dada às leis certa elasticidade de opinião, de modo que, seja como for, possa adotar, quando se trata de defender o interesse do seu cliente, a interpretação que, por ser seguida pelas mais respeitadas autoridades, assegure à sua causa as maiores probabilidades de vitória”. (folhas 167).
  22. Sobre a clareza da sentença judicial: dizer o direito à partir dos fatos. (Folhas 171).
  23. A fundamentação das sentenças é certamente uma grande garantia de justiça, quando consegue reproduzir exatamente, como num esboço topográfico, o itinerário lógico que o juiz percorreu para chegar à sua conclusão. Nesse caso, se a conclusão estiver errada, poder-se-á descobrir facilmente, através da fundamentação, em que etapa do seu caminho o juiz perdeu o rumo”. (folhas 175).
  24. Sob esse aspecto é bom que também o juiz tenha um pouco de habilidade do advogado, porque, ao redigir a fundamentação, deve ser o defensor da tese já estabelecida por sua consciência”. (folhas 179).
  25. Os motivos declarados são bem diferentes dos verdadeiros, e que, com muita freqüência, a fundamentação oficial nada mais é que um biombo dialético para ocultar os móbeis verdadeiros, de caráter sentimental ou político, que levaram o juiz a julgar assim”. (folhas 191).
  26. A melhor homenagem que um aluno pode fazer ao seu mestre é demonstrar-lhe que se tornou melhor do que ele”. (folhas 207).
  27. Porque o debate oral é a expressão da confiança (‘basta-me a tua palavra”), enquanto a escrita é a expressão da desconfiada cautela (‘ as palavras voam, os escritos ficam’)”. (folhas 211).
  28. As digressões exaradas pelo juiz orbitam entre a justiça e a política, moldando-lhe a postura. (Folhas 221).
  29. Se, de acordo com a lei corretamente entendida, o pobre for a parte errada, a piedade pela sua miséria não o deve fazer triunfar contra a justiça”. (folhas 242).
  30. A interpretação da lei remonta sempre à origem de sua concepção, ou melhor, substancialmente, à inspiração política que circula nela e a torna socialmente atual. Assim toda a interpretação jurídica permeia certa dose de opção política. (folhas 245).
  31. É sempre mais difícil ao magistrado manter sua independência em tempos de liberdade do que em tempos de tirania. (folhas 248).
  32. Cada povo têm a magistratura que merece” (folhas 258). “Julgar os outros implica, a cada instante, o dever de ajustar as contas com a sua consciência”. (folhas 259).
  33. Os juízes são como membros de uma ordem religiosa: é preciso que cada um deles seja um exemplo de virtude, se não quiser que os crentes percam a fé”. (folhas 264).
  34. A justiça é um fluido vivo, que circula nas fórmulas vazias da lei, como o sangue nas veias”. (folhas 268).
  35. Lex specialis, sententia generalis – assim o legislador e o juiz remetem um ao outro a responsabilidade: e um e outro podem dormir sonos tranqüilos, enquanto o inocente balança na forca”. (folhas 273).
  36. O verdadeiro perigo não vem de fora: é um lento esgotamento interno das consciências, que as torna aquiescentes e resignadas; uma crescente preguiça moral, que à solução justa prefere cada vez mais a acomodadora, porque não perturba o sossego e porque a intransigência requer demasiada energia”. (folhas 277).
  37. Debaixo da ponte da justiça passam todas as dores, todas as misérias, todas as aberrações, todas as opiniões políticas, todos os interesses sociais. E seria bom que o juiz fosse capaz de reviver em si para compreendê-los, cada um desses sentimentos: experimentar a prostração de quem rouba para matar a fome ou o tormento de quem mata por ciúmes; ser sucessivamente (e, algumas vezes, ao mesmo tempo) inquilino e locador, meeiro e proprietário de terras, operário em greve e industrial”. (folhas 280).
  38. É bom que não se perceba que a função que nossa sociedade atribui à justiça é, com freqüência, a de conservar as injustiças consagradas nos códigos”. (folhas 281).
  39. Ele acredita que está em jogo a justiça, ao passo que está em jogo apenas seu amor próprio. Sem perceber, obstinando-se em sua tese, de juiz se transforma em parte”. (folhas 290).
  40. O drama do juiz é a solidão, porque ele, que para julgar deve estar livre de afetos humanos, e situado um degrau acima dos semelhantes, raramente encontra a doce amizade que requer espíritos do mesmo nível. O drama do juiz é a contemplação contínua das tristezas humanas”. (folhas 355).
  41. Justiça não quer dizer insensibilidade, que o juiz, para ser justo, nem por isso deve ser impiedoso. Justiça quer dizer compreensão, mas o caminho mais direto para compreender os homens é aproximar-se deles com o sentimento”. (folhas 359).
  42. Acredita-se comumente que a missão específica do advogado seja fazer-se ouvir pelos juízes; na realidade, o ofício mais humano dos advogados é ouvir os clientes”. (folhas 376).
Referência
CALAMANDREI, Piero. “Eles , os Juízes, vistos por um advogado”. Editora Martins Fontes. São Paulo. 2000.
Revista Jus Vigilantibus.