O texto de reflexão de nossa aula de hoje, nos convida a aprofundar nossos conhecimentos a respeito do direito de greve.
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O direito de greve
por Eduardo Minuzzi Niederauer
Sumário: 1. Considerações iniciais. 2. Conceito e classificação. 3. Características legais. 4. Reflexos sobre o contrato de trabalho. 5. Considerações finais. 6. Obras consultadas.
1.Considerações Iniciais.
No luzir das revoluções industriais, havia uma praça na França onde, além do considerável acúmulo de gravetos trazidos pelas cheias do Rio Sena (fenômeno natural que, inclusive, deu nome à praça, sendo conhecida por “greve”), ocorriam reuniões de operários quando estavam descontentes com as condições de trabalho ou mesmo quando promoviam paralisação dos serviços. Como é de se notar, a praça emprestou seu nome ao instituto social da Greve.
Porém, a simples reunião de trabalhadores, ainda que desprovida do intuito grevista, foi uma conquista derivada de histórica batalha. De fato, por muito tempo a greve foi considerada um delito, assim como foi a associação de trabalhadores. A Lei Francesa Le Chapellier, datada de 1791, vedava qualquer forma de agrupamento de obreiros para defesa de interesses coletivos. O próprio Código Penal Napoleônico punia com prisão a greve. Na Inglaterra, o Combination Act, de 1799 e 1800, tinha o mesmo efeito.
O surgimento do Estado Liberal transforma a greve em uma liberdade dos trabalhadores, somente se tornando um Direito com o advento do Estado Democrático.
No Brasil, por longo tempo a greve foi uma conduta proibida e até punida, sendo admitida timidamente através do Decreto-lei nº 9.070/46, permitindo a greve para atividades acessórias. A Constituição do mesmo ano garantiu o direito de greve, determinando sua regulamentação legal, o que foi feito pela Lei 4.330/64.
As Constituições seguintes reconheceram o mesmo direito, sendo que a de 1988 inovou ao contemplar os servidores públicos com a possibilidade de greve, nos termos da lei complementar. Como era de se esperar, a dita Lei até hoje não foi promulgada, o que resultou em manifestação do Supremo Tribunal Federal determinando a aplicação, no que for cabível, da Lei nº 7.783/89, que regula o direito de greve na iniciativa privada.
2.Conceito e classificação.
A despeito da praça francesa homônima, considera-se greve, segundo a Lei nº 7.783/89, a suspensão coletiva, temporária e pacífica, total ou parcial, de prestação pessoal de serviços a empregador (art. 2º). Tal suspensão só pode ser feita por trabalhadores subordinados ou avulsos, exlcuíndo-se os autônomos.
Será uma paralização coletiva e temporária, eis que a suspensão eterna configura abandono de emprego, com possibilidade de demissão por justa causa (art. 482, I, CLT). Ademais, há de ser uma suspensão ao menos parcial da prestação de serviços, não configurando greve a intencional demora na conclusão do serviço, gerando prejuízos com o atraso.
A greve é, antes de tudo, um fato social. Na sua regulamentação jurídica assume caráter de liberdade subjetiva, atuando dentro da esfera de auto-defesa permitida pelo direito pátrio, em que os próprios titulares do direito ameaçado ou violado buscam, por via própria, sanar tal debilidade.
Pelos seus diversos efeitos e circunstâncias, a greve pode ter inúmeras classificações, sendo considerada lícita quando atender as exigências legais, e ilícita quando as ignorar. Por exigências legais temos, a título de exemplo, necessidade de prévia frustração da negociação coletiva e do recurso arbitral, bem como a convocação de assembléia sindical específica para definição da pauta de reivindicações além da efetiva paralisação coletiva dos serviços (art. 4º, Lei nº7.783/89). Havendo violação de direitos, a greve será considerada abusiva (art. 6º, §§ 1º e 3º1). Por tal motivo, verificam-se limitações ao direito de greve, relembrando-se, por oportuno, que não há direito absoluto. Assim, a greve não deve atentar contra as liberdades individuais e sociais, evitando o acesso dos trabalhadores não-grevistas ao trabalho ou violando o direito de propriedade e os que lhe são correlatos.
Quanto à extensão da greve, esta pode ser global, atingindo diversas empresas; parcial, alcançando setores específicos da atividade laborativa ou algumas apenas algumas empresas; e greves de empresa, quando restringirem-se a uma empresa.
Há também a greve branca, em que os empregados assumem seus postos mas neles não trabalham. É considerada greve, eis que há uma efetiva paralisação da atividade. Ademais, existe a greve intermitente, caracterizada por paralisações pontuais e intercaladas em diversos setores da empresa.
Por fim, a greve pode ser classificada de acordo com seus motivos e objetivos, sendo greve política quando ser referir ao cenário macroeconômico, pleiteando ações genéricas e difusas, próprias de políticas governamentais; será uma greve de solidariedade quando os trabalhadores paralisarem suas atividades em auxílio e fortalecimento às reivindicações de outros trabalhadores.
3.Características Legais.
Como citado ao norte, a greve somente pode ser deflagrada por meio de sindicato. Inicialmente, deve-se tentar a conciliação por meio de negociação coletiva, passando-se à instância arbitral em caso de frustração da primeira. Falhando estes dois meios, cabe ao sindicato convocar assembléia geral para decidir acerca da instauração da greve, bem como os direitos pleiteados. O estatuto do Sindicato definirá o quorum e as formalidades para tal assembléia. Ressalte-se que, quando não houver sindicato, de qualquer grau, os trabalhadores deverão organizar-se em assembléia geral, com o mesmo efeito da sindical (art. 4º, §2º). Não há ilegalidade na ausência de sindicato na instauração da greve, eis que a Constituição da República de 1988 legitimou os trabalhadores a deliberar acerca de tal faculdade jurídica (art. 9, CR/88), desde que seja uma assembléia coletiva.
Desta feita, cabe exclusivamente aos trabalhadores decidir acerca da conveniência da instauração da greve, contudo, após a celebração de acordo ou convenção normativa, bem como de decisão da justiça do trabalho, a manutenção das paralisações será considerada abusiva, salvo quando houver descumprimento deste acordo. Destaque-se que a antiga Lei de Greve proibia as paralisações motivadas por razões políticas ou solidárias, sendo que o novo dispositivo normativo silencionou sobre o assunto, de forma que admite-se qualquer modalidade de greve no âmbito nacional, porém, há que se considerar a possibilidade de greve política somente por parte dos servidores públicos, eis que nada mais há que se exigir do poder público, nesta matéria, do que o que pode ser feito por estes.
Tão logo seja decidida pela greve, o sindicato patronal ou os empregadores deverão ser comunicados. Caso a greve atinja atividade considerada essencial, só poderá iniciar setenta e duas horas após a comunicação, sendo atividade não considerada essencial, o prazo cai para quarenta e oito horas.
Eis uma inovação da Lei nº 7.783/89. Se o antigo diploma legal impedia a greve em serviço público e atividades consideradas essenciais, a Lei de 1989 o permite, inclusive definido, em rol não taxativo, o que considera atividade essencial. De forma semelhante, no que toca às atividades inadiáveis, assim consideradas por poderem causar grave prejuízo em caso de não aproveitamento em prazo exíguo, a Lei de Greve expressamente obriga as partes a, de comum acordo, garantir o atendimento destas. No caso de descumprimento, poderá o Ministério Público do Trabalho requerer a instauração de dissídio coletivo, consoante expressa disposição consitucional (art. 114, § 3º, CR/88).
Ademais, em paralisação ocorrida em atividade cuja não utilização prolongada dos bens possa causar sua perda, como o são os fornos siderúrgicos, não havendo acordo entre empregados e empregadores, faculta a Lei ao empregador a contratação temporária para os serviços específicos.
O movimento grevista tem liberdade legal para arrecadar os fundo que necessitar, bem como divulgar livremente o movimento, inclusive através da persuasão pacífica dos demais trabalhadores. Por via inversa, é vedado ao empregador tentar vetar o direito de greve, obrigando os empregados a ficar dentro da empresa ou utilizando medida análoga, bem como é vedado aos empregados o piquete que impeça os não-grevistas de chegar ao local de trabalho, além de também ser vedada a sabotagem, ou seja, a destruição de máquinas e instrumentos de trabalho, eis que atentaria contra o direito de propriedade do empregador, tornando a greve abusiva.
4.Reflexos sobre o contrato de trabalho.
Sendo observadas as prescrições legais, a greve suspende o contrato de trabalho, não havendo pagamento de salários ou contagem do tempo de serviço, de regra. As relações serão regidas pelo acordo, convenção, laudo arbitral ou sentença normativa.
No caso de desobediência às disposições legais, não se considera suspenso o contrato de trabalho, podendo haver rescisão contratual por justa causa (art. 482, II, i).
Na vigência da greve justa, não podem ser rescindidos contratos laborais, nem pode haver a contratação de substitutos, salvo para a manutenção de equipamentos de inevitável deterioração, ou após a celebração de acordo ou convenção coletiva, ou ainda de sentença arbitral ou judicial, em que os empregados mantenham a paralisação.
Acerca do pagamento do dias não trabalhados, deverá ser decidido pelo instrumento normativo que regulamentar a greve no caso concreto. Caso a greve seja considerada abusiva pela Justiça do Trabalho, não será considerado suspenso o contrato de trabalho, o que não gerará o direito aos salários, eis que não foram prestados serviços.
Sendo considerada não abusiva, com atendimento das reivindicações, poderá haver pagamento do período grevado, desde que, conforme sustenta parte da doutrina, os dias paralisados e remunerados sejam compensados posteriormente, sob pena de enriquecimento ilícito dos trabalhadores grevistas sobre os não aderentes à greve.
Em caso de greve abusiva, poderá haver responsabilização pelos prejuízos decorrentes. Sendo estes causados pelo obreiros, a responsabilidade poderá incidir em justa causa, sem olvidar a investigação criminal por danos ou lesões cometidas. Caso os danos decorram da greve abusiva enquanto fato social, ou seja, sem culpa individuada ou exclusiva de algum trabalhador, os prejuízos deverão ser suportados pelo sindicado, inclusive através de juizados especiais.
A despeito do que já foi citado acerca da greve no setor público, acrescente-se que a Convenção nº 151 da OIT determina a institucionalização dos meios de composição de conflitos coletivos entre o Poder Público e seus servidores. Destaque-se porém que, acorde com dispositivo constitucional, as empresas públicas, sociedades de economia mista e demais entidades públicas que explorem atividade econômica, sujeitam-se ao regime jurídica das empresas privadas, aplicando-se o disposto na Lei nº 7.783/89. Apesar do antigo entendimento acerca da eficácia limitada do art. 37, VII, da CR/88, face ao qual a necessidade de Lei Complementar impedia a aplicação do dispositivo, recente decisão do Supremo Tribunal Federal alterou tal quadro, onde, considerando a antiga mora legislativa na promulgação da referida Lei Complementar, decidiu pela aplicação da Lei de Greve Privada no âmbito público, excluído, por lógico, o servidor militar (art. 42, §5º, CR/88).
Por fim, destaque-se a proibição legal da realização do lockout, disposta no artigo 17 da Lei de Greve, conceituado, a grosso modo, como a greve dos empregadores, no qual estes paralisam as atividades da empresa, visando frustrar negociação coletiva ou dificultar o atendimento das reivindicações. Existem países que permitem, como a França, desde que decorra de situação excepcional ou do descumprimento de cláusula contratual.
A realização de lockout não gera suspensão do vínculo laboral, como ocorre com a greve legítima, persistindo o direito de percepção de salários e o dever de prestação de serviços.
5.Considerações finais.
Como visto, o direito de greve é de suma importância para a reivindicação de melhores condições econômicas aos trabalhadores, sendo o mais poderoso instrumento destes, razão pela qual a própria Lei reguladora o estipula como fator de ultima ratio, devendo ser utilizado somente após a frustração das demais instâncias negociais.
A própria instituição para qual se dirige esta monografia é conhecida e reconhecida pelas greves que produziu. A mais recente, com duração de meio ano, foi a maior de sua história. Porém, ao contrário da função do instituto, não se percebe nem relativa eficácia deste instrumento no ensino público superior em nosso país, eis que, apesar de não utilizado a um certo tempo, seu contínuo e reiterado uso retirou-lhe a carga de efetividade, sendo os anos sem greve verdadeiras exceções à regra.
Tal parêntese é necessário para destacar o eminente caráter político que algumas greves podem tomar. De fato, a infiltração de partidos nas entidades de base das universidades, englobando desde sindicatos, até diretórios e centros acadêmicos, quiçá lideranças de turma, tudo isto tem deturpado a função deste poderoso instrumento. Em que pese o caráter legítimo de algumas reivindicações, como piso salarial e melhores condições de trabalho, não há que se olvidar do rumo politiqueiro que estas volta-e-meia tomam, seja pelos ataques desenvolvidos à pessoas e governos, seja pela auto-promoção de servidores visando cargos mais altos na instituição.
De todo modo, em regime privado as greves não se afiguram ao todo diferenciadas. Factualmente, em eleições sindicais não se fala em “Chapa A” ou “Chapa B”, mas sim em chapa do partido A, ou do partido B, de onde as reivindicações resultam, não todas mas algumas, de programas político-partidários. É triste, mas é a realidade. Não há movimento social que não se envolva, ao menos minimamente, com a política.
Eis a razão para a possibilidade de assembléia de trabalhadores instaurar greve, desde que não haja sindicato representativo (em todas as esferas), ou estes não apoiem a causa. Não poderiam ficar os trabalhadores ao puro alvedrio de um sindicato que porventura não os representasse.
O reconhecimento do direito de greve é um forte marco na evolução do Estado, do Direito e da Sociedade. Se a luta de classes move a história, o fortalecimento desta luta e a sua regulamentação legal, o que deve dar-lhe um caráter mais próximo da justiça buscada pelo Direito, dá considerável impulso na evolução do trabalho subordinado em consonância com a dignidade humana, princípio fundamental de nossa nação.
6.Obras Consultadas.
Martins, Sérgio Pinto. Direito do trabalho- 10. ed., rev. atual. e ampl. – São Paulo: Atlas, 2000.
Nascimento, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho, 14ª edição, Editora Saraiva, 1997
Nota
1Quando não houver remissão específica ao texto legal correspondente, considerar-se-á o dispositivo normativo regulador da greve, Lei nº7.783/89.
(Revista Jus Vigilantibus, Terça-feira, 18 de novembro de 2008)