sexta-feira, 4 de novembro de 2011

A13/a - DIREITO CONSTITUCIONAL III

A13/a - Texto para reflexão (11/11/2011)

Novos rumos da Advocacia Pública
por William Junqueira Ramos
A representação judicial e extrajudicial das unidades federadas compete às Procuradorias Estatais, atividade que se convencionou nominar de Advocacia Pública, conforme previsto na seção II, do capítulo IV, da Constituição Federal.
Trata-se a Advocacia Pública de Função Essencial à Justiça, cujas instituições públicas (Advocacia-Geral da União, Procuradorias-Gerais dos Estados e, também, pelo princípio da simetria, Procuradorias dos Municípios, onde houver), ao lado do Ministério Público e Defensoria Pública, foram colocadas em patamar de independência e autonomia.
É falsa a ideia de que tais instituições defendem o Governo, estando, por isso mesmo, vinculadas ao Poder Executivo.
Por conta disso criou-se o estigma (dentro das próprias carreiras, inclusive) que o Procurador “tem” que recorrer de tudo, de modo a retardar o máximo possível o andamento dos processos. A realidade, todavia, não é bem assim e tal questão vem sendo, aos poucos, superada.
A Advocacia Pública está vivendo um momento singular na sua história, a se exigir a mudança de mentalidade e a eliminação de alguns ranços que lhe são prejudiciais.
De fato, Advocacia Pública não se confunde com a privada. Sem embargo da polêmica do tema, o Superior Tribunal de Justiça, na esteira do entendimento preconizado pelo Min. Peçanha Martins no REsp nº 416853/PR, asseverou: “[...] O procurador não é advogado. Com ele não se confunde. Trata-se de funcionário público pago pelo Estado, com recursos arrecadados do povo, exercente de munus. Não está obrigado a inscrever-se na OAB [...]”.
Indubitavelmente as atribuições da Advocacia Pública são mais amplas. Não se trata de um escritório de advocacia (não há relação “cliente/advogado” e aludidos termos devem ser evitados), mas sim de uma instituição de Estado, de gênese Constitucional, regida por princípios de direito público, que deve velar pela correta aplicação da lei.
Quiçá a infelicidade do termo (“advocacia” pública) reporte a todos a – inverídica – ideia de que o Procurador de Estado (aqui em seu sentido lato) exerce função idêntica à advocacia privada. Essa marca ainda existe, mas precisa mudar.
A verdade é que, não por acaso, o Constituinte brasileiro colocou as Procuradorias Estatais (talvez este seja o termo mais adequado) no capítulo que trata das Funções Essencias à Justiça. E dito feito traz consigo uma consequência: a independência frente aos atos praticados pelo Estado, seja para defendê-los, quando de acordo com a lei ou para não defendê-los, quando em desacordo com a Lei.
Muitos partilham o pensamento de que as Procuradorias têm a obrigação de defender os atos da Administração a qualquer custo, ainda que, por vezes, ilegais, ou seja, contrários à legislação. Hoje, infelizmente, grande parte dos Procuradores não admitem, v.g., reconhecer a procedência do pedido em uma ação judicial ou mesmo aviar uma proposta de acordo, embora o direito pleiteado pela parte contrária seja legítimo.
Essa prática, no entanto, parece não ser mais adequada e correta.
A questão é simples. Vivemos sob o regime de um Estado Democrático de Direito. Assim, o Estado é obrigado a se sujeitar ao cumprimento das leis vigentes. Por vezes, todavia, o Estado pratica atos ilegais, deixando de reconhecer administrativamente um direito que o cidadão tem. Quando esse mesmo cidadão busca o Judiciário, e tendo ele razão, é dever dos Procuradores, como representantes do Estado, reconhecer o direito buscado (caso legítimo, repita-se).
O verdadeiro papel das Procuradorias consiste, numa última análise, em zelar pela legalidade dos atos emanados do Estado. Quando este erra, é obrigação das Procuradorias Estatais colocar o Estado novamente no caminho que ele, por expressa dicção Constitucional, sempre deve andar: o da legalidade.
Especificamente no âmbito da Advocacia-Geral da União essa realidade tem começado a mudar. A edição de súmulas e orientações normativas sobre determinados casos já permitem que o Procurador assuma, com segurança, seu verdadeiro mister, reconhecendo procedência de pedido, deixando de recorrer, fazendo acordos, tudo em situações onde o direito do cidadão é inquestionável, contribuindo, desta feita, para a realização da justiça.
Não existe meio direito, nem meio dever. Havendo fundamento legal à pretensão do cidadão, não pode, em Juízo, a Procuradoria Estatal dizer de forma contrária, seja contestando por contestar ou recorrendo por recorrer. Como destacado, é seu dever reconhecer o direito, reconduzindo os atos do Estado ao pálio da legalidade que lhe é inerente.
É preciso, todavia, conferir garantias ao Procurador de Estado, para que possa desempenhar sua missão institucional de maneira isenta, sem que possa sofrer eventuais represálias de ordem política. Imprescidível, a necessidade de se lhe outorgar uma estabilidade especial, onde a perda do cargo, após cumprido o estágio probatório, dependeria de sentença judicial trasitada em julgado (tal garantia está prevista no novo projeto de Lei Orgânica da AGU).
O membros das carreiras das Procuradorias de Estado precisam, antes de mais nada, reconhecer seu papel, suas relevantes funções e sua verdadeira missão outorgada pela Constituição Federal. Vícios e hábitos antiquados devem ser superados (mormente aqueles que equiparam as atividades da Advocacia Pública com as da advocacia privada), sob pena de um retardamento, cada vez maior, da solidificação dessas instituições de Estado.
Exercendo “Função Essencial à Justiça”, os Procuradores – e a sociedade – têm que compreender que são, portanto, indispensáveis à realização da própria Justiça e, por isso mesmo, têm a obrigação de atuar e defender sempre a legalidade.
A atuação das Procuradorias Estatais, ao seu turno, não se resume à defesa de ações intentadas contra o Estado. Devem elas também ser estruturadas para atuar de forma ativa, com mais vigor, no combate à corrupção e à malversação do dinheiro público.
O projeto de emenda à Constituição nº 82/2007, de autoria do Deputado Flávio Dino (que foi Juiz Federal), em tramitação no Congresso Nacional, que dispõe sobre autonomia funcional, administrativa e financeira da Advocacia Pública, bem como o poder de iniciativa de suas políticas remuneratórias e das propostas orçamentárias anuais, dentro dos limites estabelecidos na Lei de Diretrizes Orçamentárias, merece especial atenção dos Procuradores e da sociedade como um todo.
Referido projeto bem retrata as transformações e a mudança de paradigmas que a Advocacia Pública vem sofrendo e ainda vai sofrer. Caso venha a ser aprovado da forma proposta, serão acrescentados ao texto da Constituição da República os artigos 132-A e 135-A.
Em particular, o art. 132-A explicita com bastante propriedade a nova visão que se deve ter da Advocacia Pública: “Art. 132-A. O controle interno da licitude dos atos da administração pública, sem prejuízo da atuação dos demais órgãos competentes, será exercido, na administração direta, pela Advocacia-Geral da União, na administração indireta, pela Procuradoria-Geral Federal e procuradorias das autarquias, e pelas Procuradorias dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, as quais são asseguradas autonomias funcional, administrativa e financeira, bem como o poder de iniciativa de suas políticas remuneratórias e das propostas orçamentárias anuais, dentro dos limites estabelecidos na Lei de Diretrizes Orçamentárias.”.
De seu lado, o art. 135-A apresenta garantias aos membros das Procuradorias, as quais são, deveras, indispensáveis ao bom desempenho de suas atribuições: “Art. 135-A. Aos integrantes das carreiras da Defensoria Pública, bem como da Advocacia da União, da Procuradoria da Fazenda Nacional, da Procuradoria-Geral Federal, dos procuradores autárquicos e das procuradorias dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios serão garantidas: a) inamovibilidade, salvo por motivo de interesse público, mediante decisão do órgão colegiado competente, pelo voto da maioria absoluta de seus membros, assegurada ampla defesa; b) irredutibilidade de subsídio, fixado na forma do art. 39, § 4º, e ressalvado o disposto nos arts. 37, X e XI, 150, II, 153, III, 153, § 2º, I; c) independência funcional.”.
Como se pode notar, o projeto é audacioso e, de fato, muito importante para evolução das atribuições institucionais da Advocacia Pública no cenário estatal brasileiro.
A consolidação da genuína feição da Advocacia Pública, ainda que gradativamente, é algo que vem acontecendo. Ela é essencial à Justiça e ao funcionamento do Estado. Há, todavia, muito mais a se alcançar. E a velocidade com que isso ocorrerá vai depender da conscientização e da mudança de mentalidade de todos, a começar pelos seus próprios membros.
(Fonte: Revista Jus Vigilantibus, Terça-feira, 12 de maio de 2009)